terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Spoonboy – Sexy Dreams

coluna do mama
 
            
Antes de escrever isso, eu tinha pensando em só postar o vídeo, mas quando fui escrever sobre o texto e tudo mais, fui reler o que haviam escrito em cima e também quando pedi pra Carla ajudar revisando a tradução, me fez querer pensar um pouco melhor sobre isso.
Enfim, vim aqui postar um clipe que foi o projeto do Spoonboy. Eu pensei que ia ser mais fácil, que só ia colocar o vídeo e a tradução e deixar aí. Mas acho que repensando isso não pode ser feito de uma maneira tão rápida.

Para começar: Spoonboy é um codinome/projeto de pop punk acústico de um menino chamado David. Se você não conhece o som dele, eu gosto bastante e se quiser ouvir vou deixar uns sons que ele toca no final. Mas tudo em seu devido tempo. Ele tem um cd que chama The Papas (que tem duas versões: uma acústica e uma elétrica). Nesse cd, ele tem uma musica que chama "sexy dreams" . Dessa musica ele começou um projeto para gravar um clipe pra ela, e recentemente ele lançou esse clipe e um tumblr em conjunto com um texto, que ele chamou de "essay", que seria mais ou menos um ensaio.

Tanto no clipe quanto no texto ele aborda assuntos de gênero e sexualidade, pricipalmente porque o personagem que ele representa em seu clipe é umx genderqueer Batman. E acho que, principalmente por estar tratando de um assunto como identidades de gênero não binárias, sendo um menino cis*, ele sentiu que seu projeto não deveria ser apenas um video que pudesse ser interpretado como piada.

*Cis (oposto a trans): diz respeito àquelas pessoas cuja identidade de gênero está em conformidade àquela que lhe foi designada ao nascer.

O vídeo gerou algumas respostas, e parece estar começando a atrair uma discussão, que não só da linguagem musical ou escrita, mas de questões e idéias que representem outras identidades de gênero, que não somente identidades binárias, e conjuntamente pensando em sexualidade que não algo baseado na hetero-norma. Isso pois os questionamentos a partir do clipe são sentimentos e argumentações de pessoas trans ou genderqueers. Eu recomendo ler se você lê inglês, porque além de uma perspectiva pessoal de cada crítica isso volta para repensar a maneira como você encarou o texto, o vídeo, e como outra pessoa o fez em seu contexto.

Me fez rever muita coisa porque pra mim foi muito fácil gostar desse clipe, e fui pensar o porque, desde a linguagem escrita e audiovisual aos meus privilégios, a como estou considerando minha perspectiva em relação ao que eu me abro para informá-la. Por falar em privilégios esse é um primeiro ponto de identificação que eu tive, por vir de um contexto parecido e de perspectivas a primeira vista similares, já é uma ligação criada. Como por exemplo: somos meninos cis, brancos, vindos de um lar com alguma comodidade financeira. Acesso a livros, textos, zines de perspectivas feministas, queer, anarquistas da nossa região ou em inglês e pela internet... Ele também escreveu outros textos falando da perspectiva dele, e sua identidade, gênero, sexualidade. E muito do que ele escreveu era muito parecido com o que eu sinto/me sentia, e por isso mais uma identificação. A parte estrutural da coisa, desde a linguagem audiovisual de como o vídeo é filmado e editado por exemplo, a preocupação de se colocar com um texto escrito, e não simplesmente deixar o clipe jogado por ai. É algo que também me faz aproximar do projeto, pois me agrada bastante.

Mas chega-se a isso, uma conexão de dois meninos cis em uma discussão de identidades de gênero não binárias. Parece uma contradição, mas não deveria ser. No sentido de que é preciso sim maior visibilidade a identidades não binárias, tanto de gênero quanto de sexualidade (depois acho que essa idéia fica mais clara). Pois isso sim é uma maneira de nos posicionarmos e abrirmos para mais maneiras de estarmos contra uma norma de imposição e opressão, com diversas identidades, populações, culturas e outras relações de posição hierárquicas construídas e naturalizadas. 

E muitas vezes não sabemos de muita coisa, não sabemos como as pessoas se sentem e muitas vezes não sabemos nem como nos sentimos direito (pelo menos comigo é assim). Mas sabemos que as coisas estão todas relacionadas a um sistema de opressão construído, e além do mais entender outra pessoa é entender você. Mas muitas vezes não sabemos como fazer, como perguntar ou se estamos fazendo besteira ou não, então o que fazemos? Perguntamos, nos expomos a algo ou alguém. Ou a muitas pessoas, e isso gera discussão, gera encontros, gera novas buscas, novas confusões. Mas continua-se a seguir um novo caminho ao invés de estar sempre paradx no mesmo. As vezes não sabemos fazer ou falar exatamente o que queremos, mas queremos reagir e queremos nos divertir, então é preciso tentar da melhor maneira que puder.

E eu acho que esse é o ultimo ponto de identificação direta, foi que ele resolveu se expor com esse projeto. E o que isso começa a resultar já está se tornando algo muito interessante e pra mais que só um spoonboy. Por isso achei bacana tentar traduzir isso e seguir em frente com essa discussão. Também para que possamos pensar ela no nosso contexto (aqui me refiro ao nosso país e países próximos).

O fato de existirem críticas me fez repensar e achar necessário uma reflexão  maior. O que eu achei bom, hoje acho que seria estranho não ter feito isso antes da tradução. Assim como ter postado o vídeo sem o texto seria algo que não faria muito sentido.

Antes da tradução só queria deixar aqui: não costumo traduzir muita coisa, ainda bem que Carla me ajudou revisando, mas mesmo assim se achar erros etc... pode mandar pra  corrigir. Ainda mais quando se tratando de terminologias, problemas lingüísticos/de linguagem, e pessoalidades não só em pronomes. Que são coisas que eu acredito ajudarem a gente a viver dia a dia, e entender mais as outras pessoas. E espero que aproveite!




Esse vídeo estar terminado significa muito pra mim, não só porque demorou bastante tempo pra fazer, mas também porque, de várias maneiras, foi um projeto intensamente pessoal. Talvez não seja uma surpresa saber que a musica “Sexy Dreams (Sonhos Sexys)”, foi inspirada por uma serie de sonhos que eu tive na minha vida que envolviam alguma temática baseada em gênero e sexualidade, mas o sonho em particular que me fez escrever ela, foi esse que nós representamos no vídeo – um sonho em que eu era umx Batman transgênero (ou de gênero fluído [genderfluid*]). É provavelmente o melhor sonho que já tive, e foi incrível ter vivido isso, mesmo que brevemente, para esse vídeo!

Antes de tudo gostaria de deixar claro que não me identifico como uma pessoa trans. Eu escrevi sobre minha identidade de gênero aqui se você se interessar (em inglês), mas é importante deixar claro que nunca vivi qualquer tipo de disforia de gênero (gender dypsphoria), e isso me coloca em uma categoria de privilégio. Mas também não apoio a idéia de que coisas como gênero e sexualidade possam ser definidas de uma forma binária, e a musica “sexy dreams” tem muito a ver com isso.

Eu sei que para algumas pessoas lendo isso, idéias não binárias sobre gênero e sexualidade podem ser  algo completamente novo, então tentarei explicá-las do melhor jeito que posso. Existem muitxs autorxs que escreveram sobre o assunto de uma forma com mais conteúdo e de melhor compreensão (e como a minha perspectiva é informada pela delxs, recomendo imensamente que você também confira as perspectivas de pessoas vindas de contextos menos privilegiados que o meu, tente kate bornstein, judith butler, dean spade, e susan stryker, para citar alguns nomes), mas a favor da brevidade do texto, farei meu melhor.

É mais ou menos assim: na nossa cultura logo quando nascemos nos assinalam um gênero, masculino ou feminino, baseado na nossa anatomia genital, então, socialmente espera-se que a identidade de gênero acompanhe uma certa conduta baseada nessa designação. A idéia de “papéis de gênero” é muito conhecida, mas é menos compreendida que para muitas pessoas esses papeis que foram designados conflita com como elxs entendem sua verdadeira identidade de gênero. Isso é chamado algumas vezes de “disforia de gênero (gender dysphoria)” ou “variação de gênero (gender variance)”. Para algumas pessoas sua identidade pode ser o gênero binário oposto àquele que ela tenha sido designada, e que para outras sua identidade exista em algum lugar  que não pode ser muito bem definido em termos de masculino ou feminino. Para algumas pessoas a identidade de gênero e sua expressão  é fluida, e pode variar de um dia para outro. Costuma-se referir a essas pessoas por transgenero, genderqueer, gênero-fluido (gender fluid) ou identidade não conformada de gênero (gender non-conforming identities).

Gostemos ou não, vivemos numa cultura que reforça rigidamente idéias de gênero heteronormativas binárias. Os gêneros são constantemente policiados diariamente de maneiras as vezes mais, as vezes menos sutis, e algumas vezes de maneiras muito aterrorizadoras e perigosas. Pessoas trans estão entre as populações com maior risco de sofrerem crimes de ódio, como assassinatos e agressões, enquanto também estão em constante risco de terrorismos psicológicos provenientes de estarem fora da norma de uma cultura patriarcal que se sente extremamente ameaçada por identidades não conformadas de gênero. Eu conheci pessoas demais que tiveram que lutar com o medo de saber que expressar sua real identidade poderia colocar sua integridade física em risco, sabendo que ao reprimir essa identidade estariam se auto-destruindo emocionalmente. Pessoalmente eu não vejo o que se ganha com a manutenção dessas idéias rígidas sobre gênero, quando elas são tão danosas a tanta gente.

E a respeito de sexualidade, na verdade é uma coisa distinta à idéia de gênero  eu não quero dizer que as duas coisas devam ser uma só, mas elas também estão relacionadas ao sentido de que quando vivemos em uma cultura que define sexualidade como algo que deveria se encaixar em uma de três categorias (homo hétero ou bi) e que essas categorias são todas definidas em relação a atrações interpessoais baseadas em  identidades binárias de gênero. Se você analisar gênero de uma perspectiva não binária, essas categorias colapsam. Ter uma identidade sexual que não está conformada a heteronorma, pode também te colocar numa posição de perigo dentro da nossa cultura, e essa é uma realidade tremendamente péssima e assustadora.

Então “Sexy Dreams” é uma musica rejeitando a idéia de que gênero ou sexualidade só possam caber dentro de um certo numero de caixas. É sobre como você pode expressar essas idéias/identidades de inúmeras maneiras, e como há beleza nessa nuança complexa para se abordar gênero e sexualidade. E é sobre como qualquer pessoa que diga o contrario pode ir a merda (fuck off), na minha humilde opinião. Eu descobri que nos meus sonhos eu posso transitar fluidamente entre identidades de gênero sem medo algum de qualquer repercussão cultural, e posso explorar minhas atrações por diferentes pessoas sem me sobrecarregar com preocupações de o que aquilo diz a respeito da minha sexualidade. E ter experimentado isso, mesmo que apenas num mundo de sonho, é algo incrivelmente libertador e inspirador. Pode ser um caminho ainda longe, mas eu gosto de pensar que podemos ir de encontro a viver em um mundo onde as categorias que nos foram dadas para definir gênero e sexualidade possam ser dissolvidas e essas coisas possam ser entendidas de uma maneira muito mais flexível. 

Nós tentamos fazer um vídeo divertido que mostrasse o quão divertido foi ter sonhado isso, mas eu espero que quem veja o vídeo entenda que isso não é uma piada. É muito freqüente a mídia fazer piada com as identidades trans, e também é costumeiro demais homens drags serem interpretados como uma ridicularização da feminilidade Para citar minha amiga Blair, se tem algo de engraçado nisso, é: “quão absurdo gênero ser construído da maneira que é”. Eu quero dizer que também não é minha intenção me apropriar de experiências/vivências trans, mas sim expressar meus próprios sentimentos sobre gênero. Em me expressar saindo da minha identidade usual de gênero, eu tentei abordar esse projeto de um jeito que fosse sério e que considerasse (informado por) perspectivas que não a minha, incluindo transitar com uma expressão feminina em público, tendo essa curta experiência, mesmo que em poucas ocasiões. Finalmente, eu sei que algumas pessoas vão ver o vídeo  e comentar sobre minha apresentação de gênero feminino a sexualizando. Embora eu esteja tento explorar sexualidade no vídeo, apresentar uma expressão de gênero feminina não é um convite para ser sexualização. Sexualizar uma expressão de gênero feminina não é menos sexista quando comentado sobre uma expressão de gênero não-normativa, do que quando é com uma identidade normativa. Patriarcado, sexismo e transfobia são idéias complementares que se apóiam e se sustentam (link em inglês, tradução abaixo) , então por favor guarde seus comentários pra si! Eu sei que estou bonitx, obrigado.

Eu gostaria de agradecer a todxs que ajudaram como vídeo, todxs que atuaram, e todxs que doaram na pagina do kickstarter! Além de cobrir nossas despesas, conseguimos levantar $400 para casa ruby, um novo centro comunitário em Washington que apóia populações latinas queers e trans. E eu gostaria de dar um milhão de obrigados muito especiais para Ben e Lizz que colocaram tanto esforço pra fazer esse vídeo acontecer quanto eu, se não mais.


Se você tem alguma pergunta sobre o vídeo ou esse texto, ou só quer entrar em contato, pode mandar um email para spoobnob@gmail.com ou mandar uma mensagem no tumblr
Muito amor!


david a.k.a. spoonboy

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O que segue abaixo é um anexo ao texto do Spoonboy, também presente no blog, escrita por uma amiga dele


Eu mostrei o vídeo e o texto de “sexy dreams”para uma amiga e ela fez uns comentários muito interessantes sobre a relação entre patriarcado, sexismo e transfobia, então ao invés de tentar resumir o que ela disse, achei melhor citá-la:

“Eu só tenho uma sugestão, e é para adicionar uma pequena crítica de como o patriarcado e noção binárias de gênero e sexualidade se sustentam. Eu sinto que essa idéia foi fortemente referenciada no seu pedido para que as pessoas não sexualizem sua expressão feminina no vídeo, mas talvez não tenha ficado explicito, e por isso é capaz que isso tenha se perdido para algumas pessoas? Talvez você concorde que é mais ou menos isso –
nas nossas condições atuais no patriarcado, a feminilidade expressa em todas as pessoas é deslegitimada e indevidamente sexualizada desde que o principal objetivo da feminilidade é comumente assumido a ser: atrair os homens, independentemente se você é vistx nos olhos do patriarcado como uma mulher ou um homem. Consequentemente, a feminilidade muitas vezes é vista como "fútil" e "falsa" e é, portanto, descartada como uma expressão de gênero "menos legítima" de masculinidade, que é entendida como "razoável/racional" e "forte". Mas, certamente, se uma pessoa é vista como transgressora às normas de gênero e expressa comportamentos tipicamente femininos, elxs podem experimentar os efeitos agregados de transfobia, homofobia, e a extra-inflada, sexista que a pessoa deseja ser sexualizada.

Então é sexista pra caramba, também, comentar na sua
apresentação de gênero feminino nesse video! Mas obviamente você pode trabalhar essa idéia (ou não) como você achar que se encaixa no seu texto. Eu sinto que existe um ponto comum entre atitudes tranfobicas e sexistas/misóginas, que ajuda a manter o patriarcado e o binarismo fortes, e ilustra como tanto o patriarcado como essas noções binárias de gênero e sexo se apóiam mutuamente: ao legitimar algumas expressões/identidades de gênero sobre outras.
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Obs mama. *genderfluid/genderqueer: é uma forma de se opor ao binarismo de gêneros, como uma tradução há: gênero queer, gênero-fluido, ou gênero não binário. Não sou muito acostumado ao termo, mas pelo que percebi em leituras e uso dele, pode representar algumas posições e identidades. A principal sendo essa idéia de uma não conformidade com um gênero binário. Estar aberta a qualquer identidade pessoal. E que esse possa ser um termo em que muitas pessoas possam se encontrar, um ponto de partida para auto conhecimento, e reflexão na sua identidade. Não seria um termo para um uso especifico ou uma identidade específica. Mas também li o termo "genderfluid" ser usado exclusivamente por/para pessoas que não se conformam com a norma de gêneros, mas estão confortáveis com seus corpos (não sentem a disforia) e portanto não se vêem transicionando fisicamente. Porém a língua não está morta, esta viva para a descobrirmos mais.

Isso é interessante, se estamos pensando em maneiras de reagir contra o hetero-patriarcado. Por exemplo, por que é uma idéia de linguagem, tentar não se categorizar, mas se representar com o uso da linguagem. Afinal, muitos de nossos preconceitos e más interpretações, faltas de considerações e confusões são causadas pela linguagem. Seja por meio de ruídos, por falta de palavras, por linguagens corporais, por usos diferentes vindos de contextos diferentes. Então quanto mais estivermos alinhados com as linguagens, podemos estar mais bem preparadxs pra qualquer coisa. Consequentemente nos sentindo mais segurxs, pelo menos para esses momentos de confronto e reação contra essa tal norma que estamos inseridxs. Por que no resto do tempo eu estou confuso pra caramba. E você?

Outra importância disso é a simples idéia de que se somos e nos sentimos oprimidxs pelo hetero-patriarcado devemos nos distanciar o máximo possível dele. Nunca deixando de considerar os próprios privilégios, mas pensando neles para chegar aonde mais essas idéias estão te prendendo. Como por exemplo rejeitar essa idéia de ser hétero, ou de encarar heterosexualidade como a norma (pensando que vivemos o resultado dessa norma dada). E para isso uma identidade de partida como genderqueer, pode nos ajudar a expandir nossas idéias sobre nós mesmxs. Sejam posições/imposições de gênero e sexualidade, como podem virar auto questionamento classistas, especistas, culturais, raciais, históricos... Reflexões em cima dos próprios privilégios, e privilégios de opressorxs. E como foi colocado no texto do Spoonboy, gênero e sexualidade são coisas distintas que vivemos como se elas fossem necessariamente dependentes.  Então quando consideramos outras expressões, experiências e colocações estamos refletindo e criticando as normas. Tentando pensar um mundo seguro, confortável e divertido que não se baseie em opressões.

Me lembrei agora de uma musica do próprio spoony, em que ele fala sobre televisão e como a gente até que aprende a sacar que ali é muita mentira, muita imposição e muita merda vindo em nossa direção. Porém, quando somos mais novxs é muito mais fácil se alienar e reproduzir aquilo que consumimos. E pro final tem uma parte da letra que fala:  "A televisão me disse pra: “perder a virgindade, você tem que se agilizar garoto já tem quase 16 anos. Tenha sempre um pé no dramático,  não beije meninos isso faz de você um viadinho”.
Acho que representa um pouco de quem ele é. E também de algumas das idéias colocadas no texto sobre as buscas pessoais.

Ok, e voltando mais um pouco ao texto/clipe. Gostaria de expor agora algumas das criticas que fizeram ao vídeo e estão públicas aqui, aqui e aqui, e também no próprio tumblr do projeto (todas em inglês).
Todas vindas de pessoas trans, até onde eu entendi. São feitos alguns pontos bem interessantes, e não necessariamente concordantes, em cima tanto do texto quanto do clipe. De uma maneira geral, a coisa mais dita é que de fato por ele ser um menino cis transitando facilmente por essas expressões de gênero, ele está exercendo isso de uma posição de privilégio. Já que aquilo não é a vida dele, ou a rotina dele. Não só esse privilegio físico, mas toda a construção dele enquanto um menino, o fato de ele não sentir a disforia em relação ao seu corpo, isso tudo entra em jogo quando ele resolve fazer um projeto assim. Em uma das críticas a pessoa não critica o vídeo, diz que acha bacana, mas achou o texto desnecessário e que está com um tom muito bobo de justificação, no sentido “hey, estou aqui fazendo esse vídeo sobre pessoas trans, mas o vídeo só tem pessoas brancas e cis...”, que desviou a seriedade. 

Outro comentário é sobre a disparidade de idéias entre vídeo e texto, como por exemplo que a tal complexidade sutil que ele fala não esta representada no clipe. Existe uma concordância entre algumas pessoas de que mesmo com um texto explicativo e tudo o mais, ele ainda está se apropriando de identidades e idéias vindo de uma posição de privilégio, e que isso pode ser muito fácil pra ele. Mas será que ao fazer isso ele não está simplesmente desconsiderando sentimentos e pensamentos de pessoas trans? 

Questionam David de não ter feito uma pesquisa melhor, pesquisa aqui significando conversar com mais pessoas trans, repensar melhor seu vídeo baseado em experiências e vivencias outras que o sonho dele e as poucas pessoas trans que ele deve conhecer. A cena da bandagem trouxe uma polêmica, porque ali ele está atuando um sentimento que não é dele, que não faz parte da vida dele, e apesar de ser algo que representa a rotina de algumas pessoas trans, ali ele pode muito facilmente estar se apropriando disso a título de atuação, do seu clipe, ao invés de representar o que é esse ritual e essa dor. Acho que muitas pessoas tenham sentido uma falta de consideração para com elas e o seu dia a dia nesse clipe.

E dentre todas as críticas e argumentos teve um que mais me marcou, que tem a ver com essa idéia das desconsiderações. Ela diz basicamente que a princípio não viu nenhum problema com o clipe, mas por que? Porque apesar de ver o clipe e ter uma sensação estranha, por ele (clipe) estar sendo legitimado por várias pessoas talvez ela estivesse errada em estranhar o projeto. Porém, essa legitimação vinha somente de pessoas cis a sua volta, amigxs cis desse meio pop-punk (o que também é um outro privilegio de spoonboy ao lançar um projeto dele, ele já tem um certo alcance e reconhecimento num nicho pop-punk/punk independente) dizendo que o clipe era muito bom e a partir disso, ninguém diz o contrário. Porém, quando saiu a primeira critica online, ela viu que não estava sozinha e respirou fundo para dizer. E aqui é a parte que mais me pegou. Ela não sabia bem porque mas ela se incomodou, se incomodou porque ela estranhou, estranhou as cenas e certas idéias. E não é porque um monte de gente (cis, ainda por cima) gostou, que ela tem que gostar. Ela sentiu isso e seus sentimentos não devem ser desconsiderados, e por isso é importantíssimo colocar uma crítica acima de tudo. Mesmo sem saber exatamente o como ou o que dizer, mas que por ter despertado um sentimento (seja qual fosse) isso valida qualquer coisa que ela tem pra dizer, independentemente do que as pessoas a sua volta falam. 

E essa linha de raciocínio está presente na critica, o que traz a gente ainda mais pra dentro do que ela quer dizer, e não simplesmente a ter uma posição certa tanto negativa quanto positiva ao projeto. Ela também menciona a cena que ele coloca a bandagem na frente do espelho, e que aquilo fez ela sentir algo muito estranho por dentro. Não a fez se sentir bem, por saber que ele está representando e que aquilo não é a realidade dele. Enquanto aquilo é parte da sua vida, e não só o ato de colocar a bandagem, mas o fato de se olhar no espelho e essa relação de modificar o corpo, de não se sentir confortável com seu próprio corpo. E tudo aquilo que passa na sua cabeça no meio de tudo isso, como ela se sente consigo própria, com o mundo a sua volta e como tudo isso pesa de uma vez só. Essa foi a crítica que eu achei mais pessoal, mas sem querer dizer que as outras não tenham sido, querendo dizer que essa foi a que eu mais me relacionei e mais me aproximou da sua perspectiva (correndo o risco de eu ter interpretado tudo de um outro jeito).

O ultimo comentário público vem de uma das diretoras e produtoras do clipe, Lizz. Ela se coloca como  uma pessoa genderqueer e diz que está lendo tudo o que está sendo dito, e que ela mesma tem um texto que gostaria de postar em breve, sobre o processo e o resultado de Sexy Dreams. Isso promete ser uma posição interessante.

Antes de acabar aqui, gostaria então de deixar as ultimas considerações colocadas.
Não sei se coloquei as críticas do melhor jeito, mas minha idéia foi de colocar elas depois do texto para que primeiro tivesse uma conclusão inicial para depois tentar fazer um apanhado dos argumentos em cima do texto. Talvez não foi o melhor jeito de representá-las, então novamente recomendo ler se você le em inglês. E se você não le inglês mas gostaria de ler essas críticas, eu posso tentar traduzir também, é só deixar um comentário aqui ou mandar um email.

Minha idéia não é colocar isso pra legitimar o projeto, ou dizer "olha só pro spoonboy como ele é foda". Mas, novamente, coloquei porque eu já tinha uma aproximação com a música dele e porque esse projeto e o desenrolar dele está me fazendo me abrir pra pensar de novas maneiras, e de um jeito ou de outro é um projeto que trata/busca o universo queer, sem ser uma posição necessariamente acadêmica, já consolidada ou puramente punk. Eu gostei dessa tentativa e exposição, até porque é uma coisa que eu mesmo penso em como ser e me expressar dia a dia, nos meus projetos musicais e outras pessoalidades.

Acho que tem a ver com essa idéia de que pra nos colocar contra a norma, temos que achar o máximo de maneiras possíveis de se opor a ela dentro da nossa capacidade. Sejam de experimentações não só físicas, mas principalmente de como pensamos e nos portamos. E sempre com a idéia de “será que estou desconsiderando algo/alguém?”, para tentar rever ações, pensamentos, privilégios e tudo aquilo que me cerca (seja o que vem de fora ou de dentro).
Espero não ter me apropriado de qualquer idéia ou identidade (eu me interesso muito por linguagem, e sei que as vezes o problema não necessariamente é o que você quer dizer, mas como você se coloca. E nem sempre se tem essa noção de como eu estou me colocando poder parecer arrogante ou agressivo.) Não só em palavras, mas em tudo que linguagem compreende: forma também é conteúdo.

Não quero aqui me colocar de um jeito que estou afirmando diversas coisas que eu não sei ou não vivo, são minhas reflexões e pensamentos que estão escritos aqui. Mas não quero que eles sejam vistas como uma verdades ou imposições de pensamentos. São aberturas para diálogos. 
Isso não é uma justificativa. São considerações que eu acho importantes estarem colocadas nesse texto. Eu sentiria uma falta se elas não estivessem aqui.

E finalmente agradecer uma ultima vez a Carla, pelo espaço do blog, pela ajuda na tradução e alguns bons toques que me fizeram pensar e (re)escrever mais para esse post. Espero que seja bacana pra você como é pra mim.


Então está ai: Sexy Dreams by Spoonboy. E agora a parte musical!
MUSICAAAAL
Fortemente recomendada para corações pop-punx.

Cd do projeto solo, pop punk acústico! Se for ouvir algum, ouça esse.

Cd da banda que ele toca guitarra e canta. Hits como: "aren’t all songs political?"

Dupla techno/acústico dele com Amina Althea. Tem um vídeo delxs tocando kiss me ao vivo aqui.

Clipe de "Double Life", música que ele gravou com Erica Freas (RVIVR)


Vídeo de algum momento da tour que ele fez com os britânicos do Onsind no ano passado, com a participação de Kevin e Erica (RVIVR) tocando um cover de Nicki Minaj. Ótimo vídeo para o outono e primavera.

Ouvindo:
Em homenagem, um play só com releases da Plan-it-X.

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