quarta-feira, 24 de julho de 2013

Um sonho chamado Mend My Dress Press

Pequena editora independente dos EUA fala sobre zines, feminismo, auto-publicação e Riot Grrrl


Há alguns meses atrás me deparei com um sonho meu, mas ele não foi realizado por mim. Foi pelas mãos de Neely e Colleen que ele se tornou real e se chama Mend My Dress Press. Trata-se de uma pequena editora e distribuidora que fornece antologias de zines, pequenos livros de arte e títulos que tratam de investigação de temas sociais. Além disso, a MMDP publica autoras locais, e várias delas são zineirxs e envolvidxs com faça você mesme. A editora é de Tacoma (Whashington, EUA),e seu nome é o mesmo nome do zine que Neely publica há dez anos.

Neely no Portland Zine Symposium - Foto retirada do Facebook

Mend My Dress Press é fruto do amor pelo riot grrrl - como elas mesmas colocam - e nasceu pela necessidade de existir uma quantidade maior de pequenas editoras com foco em preservar os zines no formato de antologias. "Nós acreditamos que essas formas de escrita e arte deveriam ser preservadas enquanto parte de nossa história cultural e ficamos na expectativa de ajudar a desempenhar isso", contam Neely e Collen.

Segundo o Moderno Dicionário Michaelis, antologia é, dentre outros significados, uma "coleção de trechos escolhidos de bons autores". O processo de criar uma antologia de zines é interessante para zineiras que escrevem há anos e tem muitas edições de zines. A antologia permite as edições sejam compiladas e publicadas em formato de livro. Para isso, é necessário pensar sobre o que colocar e o que não colocar de cada edição na publicação, pensar na edição, na arte, diagramação. E se trouxermos para a prática vemos o vazio de editoras, pelo menos as brasileiras, que se dedicam a publicar antologias de zines ou até mesmo textos - seja do gênero literário que for - escritos por zineiras. Por isso o trabalho delas é tão relevante, porque além do registro, inspira quem tiver acesso a editora.

Neely lendo seu zine no Portland Button Works

E é justamente isso que o MMDP faz, lá nos Estados Unidos. Elas estão se ocupando em criar registros, fazer livros, que falam da sua própria realidade e isso permite uma reflexão maior sobre o papel dos zines para as comunidades. Isso se torna ainda mais relevante por estar sendo feito por mulheres, mulheres negras, lésbicas, gender queers que estão se dedicando à escrita e a dizer "existimos". Essaxs estão se dedicando a uma atividade de criação e criatividade, que é historicamente masculina. Basta pensar nos grandes autores - isso para não falar em artistas, cineastas, pintores, escultores - que ganham cadeiras em academias de letras, prêmios e que ajudaram a fundar o pensamento ocidental. Virgínia Woolf em Um teto todo meu (download do livro clique aqui) nos lembra:

"Seria mil vezes lastimável se as mulheres escrevessem como os homens, ou vivessem como os homens, ou se parecessem com os homens, pois se dois sexos são bem insuficientes, considerando-se a vastidão e a variedade do mundo, como nos arranjaríamos com apenas um? Não deveria a educação revelar e fortalecer as diferenças, e não as similaridades? Pois atribuímos às semelhanças um valor exagerado."

Ainda dentro desse assunto, faço mais uma digressão, que aponta como não é simples e fácil ser uma autora e ser publicada (seja por editoras independentes ou não): 

Mais um cartaz da série "I Need Feminism Because" - fonte

"Eu preciso do feminismo porque J.K.Rowling, autora incrível e bem sucedida da série Harry Potter, foi aconselhada a usar as iniciais ao invés de seu nome completo para que o livro tivesse a chance de ser vendido para um público mais amplo; Nominando, para os garotos, que, presumivelmente, não iriam ler alguma coisa escrita por uma mulher". 

Mend My Dress Press é feita partir de um grupo de afinidades políticas e de amizade, e acho que é mais um exemplo de como o movimento Riot Grrrl utilizou os zines de uma forma muito própria, levando ao extremo a máxima da segunda onda do feminismo "o pessoal é político" e ainda utiliza, se pensarmos que o MMDP é, de alguma forma, fruto dele.

Algumas publicações da MMDP 


8 livros já foram publicados pela Mend My Dress Press, entre antologias de zines, ficção, graphic novel e fotografias. Todos podem ser comprados em eventos em que elas estejam participando e pela internet. Mais informações aqui.

Alguns títutlos publicados pela MMDP

Das antologias de zines da editora existem três livros publicado. Mend My Dress Press - Collected Zines (2005 - 2007), de Neelybat Chestnut, que inclui seis edições do MMDP zine e edições de seus outros zines, Dear  Step Dad e Grit and Glitter. São 178 páginas que falam sobre o movimento riot grrrl, feminismo, amizade, incesto, auto-mutilação, contos de fada e etc.

Telegram: A Collection of Twenty-Seven Issues, de Maranda Elizabeth, como o título diz, é uma compilação de 27 edições do zine Telegram, editado por Maranda. Telegram é um zine que fala sobre como cuidar da saúde mental (pensando tanto nas instituições que foram criadas para cuidar disso como em formas de se cuidar fora dela), sobre se identificar como gender queer, sobre sobriedade e vários outros assuntos. É um zine extremamente pessoal, que traz reflexões e considerações da autora, que também escreve ficção e recentemente publicou Ragdoll House.

A última antologia de zines publicada, que vale um post a parte (que será escrito), é a Shotgun Seamstress Zine Collection, de Osa Atoe. O Shotgun Seamstress é um zine punk focado em pessoas negras, escrito por Osa, que fala principalmente sobre queers, feministas e musicistas. São 243 páginas que dão conta das seis edições do zine, que foi editado entre 2006 e 2012.

Quem quiser ler mais sobre mulheres que escrevem indico esse texto, onde a autora elabora um teste Bechdel, só que para literatura. Espero que o MMDP te inspire tanto quanto vem me inspirando. E quem sabe esses dias frios e úmidos não inspiram zineiras a produzir um pouco mais?

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