domingo, 22 de novembro de 2015

A voz rasgante de Elza Soares



Desde a minha infância ouço o timbre rasgante de Elza Soares, uma cortesia da minha mãe. A aspereza e beleza de sua voz é o que a torna tão encantadora. No recém lançado A Mulher do Fim do Mundo, primeiro álbum de inéditas, essa característica fica ainda mais notável. Especialmente em "Maria da Vila Matilde", música que denuncia a violência doméstica, ela esbraveja com a força necessária "Cadê meu telefone? Eu vou ligar para o 190 (...) Aqui você não entra mais eu digo que não te conheço e jogo água fervendo se você se aventurar". 

A canção já ocupa minha categoria de "melhor música brasileira de 2015", com folga. Não só pela letra, mas pela interpretação e sensações despertadas pela voz dela, que - literalmente - sofrida, não se cala. Graças as deusas. Porque a cada disco, esse lançado os 78 anos, Elza ensina mais. E parece que ela quer viver mais e mais e mais.

8 pinos recém colocados na coluna não a fizeram cantar com menor gana, que começa esse álbum entoando "Me deixe cantar, eu quero cantar até o fim". O que por bem, e com liberdade poética, interpreto  como "eu quero viver até o fim", coisa que ela está fazendo muito bem. E ela nos inspira, em tempos especialmente difíceis para ser mulher sobrevivendo no Brasil.

Se ainda te falta alguma motivação para ouvir esse álbum e argumentos feministas são do seu agrado, em uma entrevista recente para o El País, ela disse "A mulher está sendo violentada de todos os jeitos" e se opõe abertamente ao PL 5069/2013 (que proíbe a venda da pílula do dia seguinte e cria diversos empecilhos para mulheres vítimas de violência sexual). Elza é uma das artistas mais verdadeiras e isso fica claro em sua voz, de mulher negra que gritou sozinha durante muito tempo - em que poucas outras vozes ecoavam.

Rasgante, ela enverga, mas não quebra.


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