quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Aqueles zines dos anos 90: I (heart) Amy Carter (+ download)

Recentemente li o texto "Riot Grrrl Weekend: poison girls", escrito por Sophie Rae, que fala sobre a visita que Sophie fez à biblioteca Fales, da Universidade de Nova Iorque (NYU). Essa biblioteca guarda em suas especiais estantes um pedaço da história do Riot Grrrl. Lá estão doações de zines, cartas, colagens  de pessoas como Kathleen Hanna e Tammy Rae Carland, e o material fica aberto ao público para consulta e leitura. 
Em seu texto, Sophie conta como foi a visita a biblioteca e como foi ver, em mãos esse zine, que é um pedaço de algo que é tão importante para ela. Alguma parte de mim se sentiu um pouco lá também (bem que eu gostaria), e instantaneamente - e segurando a vontade de começar a fazer um zine novo - comecei a traduzir o relato dela, que fala sobre a #1 do zine I (heart) Amy Carter, escrito em 1992 por Tammy Rae Carland. 
Tammy Rae é artista, e além de escrever esse zine é co-fundadora do selo Mr.Lady Records - junto com sua ex-companheira Kaia Wilson, do Team Dresch -, fotógrafa - a foto da capa do álbum Pussy Whipped, do Bikini Kill, é dela -, diretora de vídeo, enfim, uma mulher inspiradora. Sophie Rae, que não é parente de Tammy Rae, é blogueira e toca guitarra na Care Bears on Fire. Leia o texto em inglês, e abaixo a minha tradução. 
A própria Tammy Rae Carland em uma de suas fotografias


RIOT GRRRL WEEKEND: POISON GIRLS

Texto: SOPHIE RAE
Tradução: CARLA DUARTE

Final de semana Riot Grrrl: garotas veneno
Por Sophie Rae
Eu estava um pouco nervosa em ir ao arquivo riot grrrl, que está arquivado na biblioteca Fales, na Universidade de Nova Iorque (NYU). Eu tinha acabado de assistir Cidadão Kane na noite anterior, e a cena em que o jornalista vai aos arquivos de Kane e ele está sentado sozinho naquele cômodo gigante observando documentos com aquele segurança esquisito assistindo ele me assustou um pouco. Mas eu sabia que vendo os zines de perto, lendo-os, e sendo inspirada por eles faria valer aquele sentimento meio incomodo. 
Após alguns minutos vagando pela sala de periódicos da biblioteca Bobst eu encontrei a Fales, onde eu me surpreendi ao perceber que eu era a única pessoa na sala mais nova que os próprios documentos. Depois de guardar minha bolsa no armário (não é permitido entrar com bolsas) e trocar minha caneta por lápis (não é permitido entrar com canetas) eu me sentei à mesa, caderno aberto e preparada para ser preenchida por pedacinhos do conhecimento Riot Grrrl.
Zines eram a voz do movimento Riot Grrrl, uma forma faça-você-mesma para as Riot Grrrls do país dividirem seus pontos de vista, publicarem sua arte, e organizarem projetos e eventos. Eles eram distribuídos pelas bandas Riot Grrrl nos shows e enviados pelo correio para seus contatos. Eles eram divididos entre amigxs e grupos Riot Grrrls.
Comecei com a primeiríssima edição do zine de Tammy Rae Carland, I (heart) Amy Carter – Eu (amo) Amy Carter. Eu realmente não conhecia muito a respeito de Tammy Rae, exceto a música do Bikini Kill dedicada a ela e que nós temos o mesmo nome do meio.    
Capa da #1 edição do zine
A publicação do zine Amy Carter (com cinco edições, publicadas entre 92 e 94) acompanhou o término de “Amy Carter”, uma banda que consistia em Tammy Rae, Kathleen Hanna e Heidi Arbogast. Os zines, que eram vendidos e enviados pelo correio por $2.50 ou mais dependendo da edição, eram focados na paixão de infância de Tammy em Amy Carter (filha do presidente Carter) e na importância de mulheres inspiradoras* para outras garotas e mulheres.
Em uma entrevista publicada na terceira edição de um zine diferente, chamado Thorn, de Keroscene Kelly e Tammy, Tammy diz que “garotas e mulheres são treinadas para idealizar pessoas do sexo oposto. É importante para nós termos heroínas mulheres porque isso aumenta nossa perspectiva de poder”.  Essa é uma idéia que eu acho que é crucial para o feminismo e eu venho pensando muito nisso ultimamente. Eu tenho amigxs cuja coisa mais próxima a uma mulher inspiradora é a Katy Perry, e isso realmente faz uma diferença.

Então, cativada pela idéia por trás do zine, eu continuei lendo. Os zines, que eram os layouts originais, são bem básicos: artigos datilografados e desenhos colados no papel com letras escritas com caneta preta e decoradas com adesivos de estrelas azuis como as que Rachel Berry** coloca perto do nome dela (ok, você me pegou, eu sou totalmente gleek). Nessa primeira edição Tammy define Amy como “uma garota artista politicamente ativa que faz pinturas sobre raça e gênero” e lamenta o fato de que Amy não é queer.

Ainda que Tammy deixe claro que ela é obcecada com Amy (como evidenciado pelos artigos e teorias que ela desenvolve ao longo das edições do zine), ela escreve que ela não “deseja ela” mas ao invés disso “queria ser ela. Eu queria me tornar ela porque ela não era eu”.




As páginas dos zines são misturadas com arte e desenhos: uma foto de uma motosserra com as palavras “girl power” escrita nela, uma foto de uma garota em cima de um cavalo. Há artigos retirados de jornais e revistas, principalmente colunas de fofocas sobre celebridades e seus romances lésbicos. Um artigo particularmente hilário é de um jornal sobre a população lésbica de Northampton, Massachussets, renomeado “vilalésbica”.

O zine original inclui um artigo sobre mulheres soropositivas, estatísticas de casos de estupro, entrevistas com garotas artistas e musicistas. Há um glossário de “termos gays”, trechos de cartas de amor, citações de autoras incluindo a minha preferida de Dorothy Allison, “lésbicas com armas, é isso que vai os assustar”.
Na segunda edição, Tammy escreve que “zines são um ótimo sistema de rede de contatos para projetos e idéias bem como uma das melhores formas de se apropriar da representação”.

A idéia de “rede de contatos” é clara, do começo ao fim, ao longo do I (heart) Amy Carter. Toda edição inclui pedidos de contribuições, novidades a respeito de tours de bandas de garotas, e nas últimas edições, propagandas e flyers de outros zines e organizações de mulheres ativistas. Mais do que uma rede de contatos, esse zine tem como objetivo apoiar outras garotas e mulheres seja em seus projetos criativos ou em sua saúde física. Uma edição pergunta se algumx leitorx tem alguma informação sobre uma assassina em série lésbica, Aileen Wuornos para um projeto que Tammy estava fazendo sobre mulheres que tinha cometido assassinato. 

"It's my zine and I'll cry if I want to" - um dos textos da #1 edição do I (heart) Amy Carter

I (heart) Amy Carter é em partes iguais feminismo, direitos gays e criatividade artística. É o ativismo em seu melhor: uma rede de contatos de garotas e mulheres de todo o país com o objetivo comum de compartilhar informações, opiniões e arte umas com as outras. Nas palavras de Tammy:

“É sobre ter borboletas no seu umbigo e bíceps no seu coração.É sobre amor entre garotas + garotas empoderadas + sexo entre garotas + amizade entre garotas”

O arquivo Riot Grrrl mora na biblioteca Fales, que fica na Universidade de Nova Iorque (NYU). Para mais informações clique aqui. 


*Nota da tradutora: “mulheres inspiradoras” foi a forma que encontrei para traduzir o termo “ female role model”. Role model fala de alguém que é um exemplo e pode inspirar outras pessoas por conta de suas atitudes e crenças.

**Nota da tradutora: se você, como eu, não sabia quem era Rachel Berry (até ler “gleek = geek + glee”)  ela é uma personagem da série Glee. 

Se você chegou até aqui e quiser baixar ou ler o I (heart) Amy Carter #1leia aqui, que está no arquivo do Queer Zine Archive Projetct.  

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