quarta-feira, 15 de maio de 2013

resenha: Pauta Lixo #2

Fazia alguns meses que eu não lia um zine. Fazia muito mais tempo que eu não lia um zine feito por um amigo. Há alguns anos eu resenhei nesse blog a primeira edição do Pauta Lixo e agora tive a chance de ler a segunda edição do zine, que muito em breve já estará acessível a quem tiver interesse em lê-lo. Acontece que quando leio - e resenho - algo feito por alguém que compartilho opiniões parecidas é sempre meio nostálgico, e ao mesmo tempo, uma forma de me estimular e fazer minhas próprias coisas. Agora que minha parcialidade está definida, só deixo claro que não vou ficar me prendendo a gêneros textuais. Ou seja, talvez eu escreva demais e faça mais digressões do que a categoria “resenha” permite.  


Uma capa laranja (folhas Filipinho fazendo zineirxs felizes há algum tempo) e uma senhorinha com uma bengala impressa e a capa do Pauta Lixo #2 está pronta. Minimalista, sem chamadas na capa. No editorial o Nandolfo diz: “O que está aqui também é um punk visto de fora, já que faz tempo que não vou em shows e participo de uma forma mais bacana”. Esse tal “punk visto de fora” serviu como uma blusa confortável em mim. Seja pela despolitização do punk/hardcore, seja pelas pessoas mais preocupadas em competir ou por apenas não me identificar com o “punk de dentro” me vi representada nessa frase. Quando não há identificação com o “punk de dentro”, o que fazer? Depende de cada uma, mas sei que para se identificar como punk ou com o punk você não precisa estar, necessariamente, dando role. Pode-se continuar fazendo coisas dentro do espírito faça você mesma, pode-se continuar sendo nerd de música. Essa idéia de que “parou de ir em show = desencanou do punk” é muito ZzzzzZzzzzZzzz pra mim. E a idéia de que "dá role em show = punk" também. Acho que as duas coisas são possibilidades, e não verdades universais.

Ao longo de suas 32 páginas o Pauta Lixo traz entrevistas, textos e dicas de banda. Na sessão “Som de Fita” rolam entrevistas com dois selos que lançam k7’s. Uma com o selo Give Us A Chance, de Lille (França) e outra com o selo Spastic Fantastic, de Dortmund, (Alemanha). As duas entrevistas falam sobre o processo de produção das k7’s, da algumas dicas e várias bandas desses locais são citados. Os caras que dão as entrevistas citam algumas empresas que fazem as k7’s, então se alguém por aí estiver procurando por isso pode ler a entrevista e pegar o contato que eles indicam.


Os junkies de música vão gostar do “5 de Pop Punk”, onde o Fernando indica 5 bandas que tocam pop punk. Ele começa já falando da muito boa Parasol, banda de Boston envolvida com a cena queer e preocupada em falar em seus shows sobre a cultura de estupro, privilégios e espaços seguros. O som é uma das coisas mais bonitas que você vai ouvir, porque a voz de Lily é bem bacana. Na seqüência ele indica a AcidicTree, banda punk quase melódica, que faz um som animado e que da vontade de dançar e Sad Girls Por Vida. Rola também a indicação do Peeple Watchin, que segundo Nandolfo é “político, é queer, é grudento, é punk”, ou seja, vamos lá ouvir o bandcamp dels logo. E a coluna termina com a You Me & Us, power trio pop punk fofolete, com aqueles vocais grudentos e bateria sequinha que faz você ficar mexendo os ombros daquele jeito bobo.

A melhor entrevista do Pauta Lixo é a com Parasol, onde els falam mais sobre a banda, os projetos em que estão envolvidos e sobre a necessidade/importância de falarem em seus shows sobre sexismo, racismo, homofobia, patriarcado, violência sexual e etc. Para quem é viciadx em Ladyfests: esse ano a Parasol vai tocar no Ladyfest Philly, junto com Screaming Females, Potty Mouth, Aye Nako e outras bandas. Se você se importa com política, discussão sobre privilégios não deixe de ler essa entrevista.


O zine ainda traz duas traduções, um de um blog e outra de um zine norte-americanos. O primeiro é o “A arte de todas as idades”, de Marlee Grace, que foi publicado em um blog de hardcore. Marlee faz parte da comunidade faça você mesmx de Grand Rapids e de Ann Arbor, cidades que ficam no estado de Michigan, e seu texto fala sobre se dedicar ao faça você mesma e a  fazer shows para todas as idades cobrando preços justos. Mesmo com todo o esforço que isso envolve, ela se dedica a tornar acessível atividades/shows que por aqui podem ser bem caros. O que mais gostei do texto dela foi saber que lá eles tentam pagar as bandas e pessoas envolvidas sem contar com o dinheiro da cerveja. Porque uma vez que você conta com esse dinheiro você precisa estimular o consumo do mesmo. E é legal ver um espaço que tenta criar novas formas de se sustentar. Marlee também faz parte do Division Avenue Arts Collective, o DAAC, e nesse link pode-se saber mais sobre.

O outro texto que o Nandolfo traduziu foi “Vestidos e caminhões de brinquedo e pronomes: a experiência da minha filha com gênero”, escrito por Genelle Denzin e publicado no zine Building Blocs, feito por Lara Daley. Genelle conta como sua filha Paxten (que tinha 5 anos quando o texto foi publicado) vem construindo sua própria identidade de gênero. As pessoas viam Paxten como um menino, e em dado momento descobre sua paixão por vestidos, e passa a vesti-los. Por um tempo, se identificava como um menino que gostava de “coisas bonitas e legais”. Tempos depois, Paxten pediu para ser chamada de Sally. Depois de três semanas Paxten decidiu que queria ser chamada de Paxten novamente, mas dessa vez pediu que a chamassem de “ela”. É um texto sobre amor e medo. Amor pelx filhx e fazer o máximo para estar lá pra elx, agindo por elx, e medo porque ver x filhx viver sua própria identidade de gênero – aquela que não é enxergada pelos outros – é algo que envolve dores, olhares preconceituosos e descobertas.


O zine acaba com um texto do Fernando, que é muito oportuno. Nele, ele se pergunta porque lançar o Pauta Lixo #2, pensando em como sua vida está atualmente, e em como seu envolvimento com o punk ajudou a construir sua percepção de mundo. Sei que se o Pauta Lixo não tivesse saído eu teria perdido uma grande oportunidade de reflexão. Ainda estou digerindo o zine, a entrevista com o Parasol, os textos traduzidos. E mesmo atualmente eu estando muito mais desanimada e desacreditada do faça você mesma, o zine conseguiu me tirar dessa zona de conforto/desconforto e me faz repensar coisas. E ainda, fez um milagre. Me encorajou a terminar o Histérica #3 e até mesmo de tocar adiante o projeto de outro zine.

O fim do texto, e do zine, é um tipo de esperança muito massa, em que Nandolfo reitera a cultura de zines, e espera que ela continue firme e forte na casa dele, para ele fazer muitos zines com a filhinha que está por nascer. E pra fazer inveja nas mães/pais punx: ele faz os livros e zines punks para colorir mais feras que tem. Para deixar qualquer umx com inveja. Quem quiser uma cópia do zine escreva para: pautalixo@gmail.com

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